quinta-feira, agosto 09, 2012

Flor da noite


Alguma coisa material restou. Aliás, posso observá-la bem na minha frente: um maço de cigarros quase completa. Você nunca mais vai voltar aqui, mal sei se um dia falará comigo outra vez. Então tomei posse do cigarro. Apesar de não ser fumante, pensei como um desses iria me relaxar... Não servem para isso?
Caminhei até o quintal enquanto a música terminava, espero que ninguém chegue em casa agora.
Ainda estou divida entre dois sentimentos: fui corajosa por não me entregar ou covarde por não admitir que é necessário outra pessoa? Você usou umas palavras muito boas hoje à noite, palavras que irão latejar em mim por um tempo. Talvez eu seja fria mesmo....ou talvez esteja só cuidando bem de mim mesma.
 
A minha cozinha foi testemunha de muita coisa esta noite: drama, berro, fúria, compaixão, sussurro, desejo.  Duas pessoas defendendo suas partes em um mesmo relacionamento, apresentando argumentos racionais e emocionais. Um puxava a corda enquanto outro tentava soltá-la de vez.
No final, eu soltei. E isso fez você cambalear.
Até então mantive uma postura mais ou menos controlada, adulta. Porém, eu vi choro. Vi choro em você e ouvi soluços. Apesar de sua relutância, consegui ao menos trazê-lo para o meu ombro, acolhi ali tudo que pude. Sim, eu estava causando a dor, mas me parecia certo tentar acalmá-lo. Quis bota-lo no colo, apertar forte, como uma mãe que segura seu filho e desculpa-se pelo mundo não ser perfeito.
Após alguns instantes, deixei você com a cabeça baixa na mesa e segui até a sala de estar. Estava confusa , sem saber mais ao certo como agir, meu roteiro imaginário já tinha ido todo por água abaixo. Liguei o som e escolhi uma música suave, de  melodia gostosa e ritmo preguiçoso. Você me achou louca (ou confusa?). Voltei até sua cadeira e comecei a puxá-lo pelos braços. Envolvemo-nos de maneira desajeitada e perfeita para o momento. Então nos tornamos aquilo, com pequenos passos em cima do tapete.
Não demorou muito para você me abraçar forte e então soltar de vez. Soltou, pegou o casaco e foi até a porta da frente. Antes de sair, olhou para mim. Vi ódio e vontade de voltar. Eu continuei parada, pois tão havia ódio em mim e nem vontade de caminhar. Acompanhei a porta fechando.
Voltei para cozinha e avistei o conhecido maço de cigarros.


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Escrito ao som de Nana Caymmi - Flor da Noite
 

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