Alguma coisa material restou. Aliás, posso observá-la bem na
minha frente: um maço de cigarros quase completa. Você nunca mais vai voltar
aqui, mal sei se um dia falará comigo outra vez. Então tomei posse do cigarro.
Apesar de não ser fumante, pensei como um desses iria me relaxar... Não servem
para isso?
Caminhei até o quintal enquanto a música terminava, espero
que ninguém chegue em casa agora.
Ainda estou divida entre dois sentimentos: fui corajosa por
não me entregar ou covarde por não admitir que é necessário outra pessoa? Você
usou umas palavras muito boas hoje à noite, palavras que irão latejar em mim
por um tempo. Talvez eu seja fria mesmo....ou talvez esteja só cuidando bem de
mim mesma.
A minha cozinha foi testemunha de muita coisa esta noite:
drama, berro, fúria, compaixão, sussurro, desejo. Duas pessoas defendendo suas partes em um
mesmo relacionamento, apresentando argumentos racionais e emocionais. Um puxava
a corda enquanto outro tentava soltá-la de vez.
No final, eu soltei. E isso fez você cambalear.
Até então mantive uma postura mais ou menos controlada,
adulta. Porém, eu vi choro. Vi choro em você e ouvi soluços. Apesar de sua
relutância, consegui ao menos trazê-lo para o meu ombro, acolhi ali tudo que
pude. Sim, eu estava causando a dor, mas me parecia certo tentar acalmá-lo.
Quis bota-lo no colo, apertar forte, como uma mãe que segura seu filho e
desculpa-se pelo mundo não ser perfeito.
Após alguns instantes, deixei você com a cabeça baixa na
mesa e segui até a sala de estar. Estava confusa , sem saber mais ao certo como
agir, meu roteiro imaginário já tinha ido todo por água abaixo. Liguei o som e
escolhi uma música suave, de melodia
gostosa e ritmo preguiçoso. Você me achou louca (ou confusa?). Voltei até sua
cadeira e comecei a puxá-lo pelos braços. Envolvemo-nos de maneira desajeitada e
perfeita para o momento. Então nos tornamos aquilo, com pequenos passos em cima
do tapete.
Não demorou muito para você me abraçar forte e então soltar
de vez. Soltou, pegou o casaco e foi até a porta da frente. Antes de sair,
olhou para mim. Vi ódio e vontade de voltar. Eu continuei parada, pois tão
havia ódio em mim e nem vontade de caminhar. Acompanhei a porta fechando.
Voltei para cozinha e avistei o conhecido maço de cigarros.
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Escrito ao som de Nana Caymmi - Flor da Noite
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